museu do pontal
Localizado no Rio de Janeiro, o Museu do Pontal abriga o maior e mais significativo acervo de arte popular do país, resultado de mais de quatro décadas de pesquisas e viagens do seu fundador, o designer francês Jacques Van de Beuque, por todo o Brasil. Por muitos anos, sua sede funcionou em uma antiga casa transformada em espaço expositivo no Recreio dos Bandeirantes, em meio a uma notável geografia e uma paisagem natural exuberante.
A partir de 2014, o Museu passou a sofrer os impactos da urbanização e adensamento do seu entorno imediato com a construção de um grande condomínio vertical para as Olimpíadas do Rio. Com a modificação da paisagem natural e o aterramento de canais de drenagem, o Museu ficou cerca de 1,5m abaixo das novas vias e construções vizinhas e, consequentemente, ameaçado de alagamentos que, desde então, tornaram-se constantes. Após anos lutando para proteger suas instalações e seu precioso acervo do risco eminente, o Museu do Pontal obteve da Prefeitura Municipal a cessão de um novo terreno na Barra da Tijuca e parte dos recursos para construção de uma nova sede, viabilizada por meio de parcerias com empresas e campanhas de financiamento coletivo.
Museu do Pontal: estratégias para a construção da paisagem
A arquitetura da antiga sede do Museu do Pontal se apresenta como uma delicada figura que se relaciona com diferentes instâncias da paisagem. Sua principal característica é o fato de suas instalações constituírem uma síntese entre um paisagismo notável e edificações austeras, de escala não monumental, cuja singeleza estabelece uma relação de respeito e cuidado com a potente delicadeza de seu acervo. A integração entre uma construção simples, quase vernácula, e uma paisagem, parte natural, parte construída, com diferentes escalas – do jardim e das montanhas – está na essência da ambiência que caracteriza o Museu e o distingue de outros museus de escala similar. Assim, tão importante quanto a nova edificação é a construção simultânea da paisagem, redefinindo todos os seus atributos de modo a construir um Museu que não apenas abrigue o acervo, mas que reinvente sua relação com o lugar.
Ao contrário da sede original no Recreio dos Bandeirantes, o novo sítio na Barra da Tijuca oferece uma condição de suporte neutro, ou uma folha em branco: geometria regular, topografia plana, ausência de vegetação significativa, vistas próximas pouco interessantes e vistas longas, mais altas, com potencial de exploração controlada. Oferece-se, portanto, como um plano abstrato em que há uma quase ausência de paisagem. Construir ali um novo Museu impõe a necessidade de construção simultânea do lugar, ou um novo entrelaçamento de paisagens, nas suas diversas escalas. Assim, o projeto para o novo Museu do Pontal se define a partir do reconhecimento das especificidades que caracterizam, de um lado, as ambiências do museu e do seu sítio original e, de outro, a paisagem e a geografia do novo endereço da instituição.
O novo projeto repropõe a interação entre arquitetura e paisagem que caracterizava a antiga sede do Museu do Pontal a partir do cuidado com a escala da nova edificação, quando vista à distância, e de um cuidadoso estudo da sequência de espaços internos que alterna interiores, pátios e jardins de modo a propiciar uma experiência qualificada dos espaços expositivos e de permanência. O novo edifício e seus jardins se fazem a partir do entrelaçamento entre essas diversas paisagens: a obra construída, de escala acolhedora; os jardins que constituem áreas de usufruto ao ar livre, aos modos de um parque; a relação com a potente geografia do Rio de Janeiro, por meio de visadas controladas das extensas paisagens do entorno, especialmente para o conjunto de montanhas conhecido como Gigante Adormecido.
A arquitetura: delicadeza bruta, intervalos e descobertas
Sobreposta e em relação a esse entrelaçamento de paisagens, propôs-se uma arquitetura a um só tempo singela materialmente, para reforçar a delicada relação com o acervo, mas também potente o suficiente para não desaparecer em meio ao entorno pulverizado de casas unifamiliares. Por essa razão, os planos externos que se elevam sobre o solo se fracionam, alternando-se com jardins que ambientam as exposições, constituindo intervalos entre as narrativas expositivas que permitem a experiência do exterior. De outro lado, a escassa paleta de materiais – concreto, madeira, vidro, calçada portuguesa e vegetação – reforça um sentido de suporte e intimidade para a experiência do acervo.
Todo o edifício se constrói a partir de uma lógica construtiva modular que articula planos de concreto armado, vigas metálicas e fechamentos leves, conformando um sistema ambiental que possibilita não apenas abrigar o atual programa do Museu, mas adaptar facilmente o edifício a novas demandas. Esses elementos são organizados sobre uma malha de 9x9m criando uma alternância controlada entre espaços internos e jardins externos, espaços de altura simples e dupla altura, áreas servidas e servidoras. Pensar o edifício mais como um sistema e menos como objeto amplia as possibilidades de uso dos espaços, as margens de liberdade de seus usuários e, consequentemente, sua vida útil. Esse tipo de raciocínio permite, ainda, que a construção também se fracione no tempo, em etapas que acompanhem o desenvolvimento da própria instituição. Desse modo, o edifício que agora se inaugura é apenas a primeira de um conjunto de três fases planejadas para implantação da nova sede do Museu do Pontal.
Tanto nesta fase como em sua conformação definitiva, o pátio central comparece como espaço protagonista e integra-se ao acolhimento e à exposição temporária. O percurso expositivo pontuado por momentos de interação controlada com os jardins, oferece uma grande diversidade de espaços quanto à proporção, luz, altura, introspecção e abertura. A possibilidade de acessos em diferentes partes do percurso amplia flexibilidade e permite explorar a exposição a partir de diferentes caminhos. A concentração dos espaços administrativos e técnicos junto às fachadas sul e oeste propicia uma otimização dos fluxos, qualificando os espaços de trabalho pela interação com o jardim. Os fluxos técnicos para depósitos, montagem e carga e descarga se equacionam por acessos largos que permitem acesso direto às salas de exposição.
O depósito com pé-direito alto permitirá o crescimento futuro das áreas técnicas e de depósito de modo simples e econômico pela inserção de jiraus metálicos, recurso extensível às demais áreas do Museu. A localização centralizada do acolhimento articula os diferentes acessos aos espaços expositivos e de apoio. O piso do acolhimento, em calçada portuguesa semi-polida, continua a pavimentação da praça de chegada, enfatizando a continuidade entre os ambientes e diluindo a distinção entre interior e exterior. No segundo pavimento, uma generosa varanda se oferece como extensão da brinquedoteca e do restaurante, conformando um conjunto de espaços com forte relação com os jardins e com a paisagem, mediada por painéis de brises móveis que contribuem para a caracterização da imagem externa do museu.
Nos primeiros 3 meses de funcionamento, o Museu atingiu o pico de visitantes correspondente a um ano de visitação na antiga sede. Essa intensa presença de pessoas mudou positivamente o local, caracterizado por uma densidade muito baixa e uma ocupação predominantemente residencial. As intensas atividades estão transformando o conjunto em um novo destino cultural na cidade do Rio de Janeiro. A implantação dos jardins, bem como diversas ações culturais do museu, têm sido realizadas por meio de financiamento coletivo, o que contribui para a construção de uma relação afetiva entre o público e este novo lugar, que está em permanente construção. Este museu, em seu entrelaçamento entre arquitetura e paisagens, presta homenagem às palavras de Burle Marx: “O tempo completa as ideias”.