parque águas claras | menção honrosa

A presente proposta para os Parques Central e Sul de Águas Claras coloca-se como um caminho possível para a conciliação entre o urbano e o natural em um equipamento público de grande porte e de grande relevância, capaz de conformar um pólo de convergência sociocultural e de promover a qualificação ambiental dessa importante área urbana do Distrito Federal. Estas são premissas que se inserem no amplamente aceito e consolidado discurso da sustentabilidade ambiental urbana, na medida em que tentam encontrar pontos de convergência entre os interesses ambientais, sociais e econômicos. Avançando, porém, para além do discurso teórico, o projeto que aqui se apresentará constitui uma demonstração inequívoca de que é possível que parque urbano consiga harmonizar a recuperação ambiental de grandes áreas urbanas com a criação de suportes capazes de promover atividades esportivas, culturais e de lazer, sem abrir mão da preocupação com a viabilidade econômica para a sua implantação e manutenção, aspecto essencial considerando-se a realidade que cerca a gestão dos parques no Brasil. Tomando como base tais premissas fundamentais, este projeto urbanístico e paisagístico estrutura-se em três eixos fundamentais que se sobrepõem tanto conceitualmente como espacialmente, a saber:

QUALIFICAÇÃO AMBIENTAL

As especificidades climatológicas do Planalto Central onde está inserido o núcleo urbano de Águas Claras, com uma estação seca muito definida que se prolonga de quatro a seis meses todos os anos, sugere ações afirmativas no sentido da constituição de um bosque urbano expressivo nas quadras onde os Parques Central e Sul estão sendo propostos. Segundo dados do Inmet (Instituto de Meteorologia), nos últimos dez anos, nos períodos da estação seca no Distrito Federal, os índices médios de umidade relativa do ar baixaram, os índices médios de temperatura subiram e o período de dias sem chuva aumentou. Nos períodos secos, a paisagem urbana da região de Brasília, que inclui extensas áreas gramadas, sempre muda de tonalidade, indo do verde para o amarelo. Se a manutenção de áreas expressivas de vegetação com alta demanda por água já era difícil nesse contexto climatológico, as recentes mudanças climáticas cada vez mais desaconselham estratégias paisagísticas desse tipo. Considerando as características ambientais do Distrito Federal e ainda a realidade urbana específica de Águas Claras, historicamente construída a partir de uma urbanização que deu pouca importância ao paisagismo arbóreo –principalmente se comparada com as superquadras de Brasília – propõe-se aqui, a criação de pequenos bosques nas quadras que compõe o parque, utilizando especialmente árvores nativas do cerrado brasileiro e, portanto mais adaptadas aos rigores climáticos locais. Áreas expressivas ocupadas com vegetação arbórea de maior porte conseguem interferir positivamente no microclima local, aumentando a umidade e aliviando as temperaturas, graças aos mecanismos de evapotranspiração dos vegetais. Nesse sentido, esta proposta para os parques constrói um oásis verde no centro de Águas Claras, como um contraponto à sua alta densidade de ocupação urbana.

VITALIDADE URBANA

Espaços públicos especialmente criados para a prática de esportes e grandes áreas públicas abertas capazes de abrigar diferentes eventos criam, na maioria dos casos, as âncoras que garantem o uso e apropriação de um parque urbano pela população do seu entorno, o que, em última análise, significa o seu sucesso como investimento público. De um lado, os equipamentos de lazer e esporte criam um tipo de suporte para apropriação do parque que se situa principalmente na dimensão do cotidiano e predominantemente ligado às pessoas que moram no entorno do parque. Considerando que a preocupação com o bem estar e com a saúde é hoje uma característica comum na classe média brasileira, e que este extrato socioeconômico prevalece largamente em Águas Claras Vertical (dados do Codeplan/PDAD), a proposta buscou criar diferentes núcleos com suportes ao lazer e às práticas esportivas em diferentes pontos do parque que estariam abertos à população tanto durante o dia como à noite. Do outro lado, a proposta cria também áreas abertas generosas – à maneira de esplanadas – onde atividades culturais e sociais diversas podem acontecer livremente, principalmente nos finais de semana e feriados, atraindo pessoas não só de Águas Claras, mas também das redondezas. Assim, a proposta para os parques cria também núcleos de atividades que garantem seu uso intenso, em todos os dias da semana e em horários variados, inclusive à noite.

MOBILIDADE LOCAL

A estrutura intraurbana de Águas Claras é bastante particular, principalmente se considerada no contexto do Distrito Federal. O seu sistema viário é constituído por um conjunto de malhas ortogonais, ligeiramente deslocadas uma da outra, e cada uma delas formada por quadras, em sua maioria regulares, abrigando, por sua vez, lotes quase sempre regulares. Como as principais conexões urbanas de Águas Claras acontecem em relação à Taguatinga, à oeste, e ao Guará e à Brasília, à leste, as vias urbanas ali implantadas no sentido leste-oeste passaram a concentrar um maior fluxo urbano, e formaram sistemas binários. Essas vias, com seu intenso trânsito cotidiano, constituem barreiras físicas que dificultam a mobilidade local em alguns pontos onde não há interseção semaforizada. Além disso, as duas linhas de metrô que cruzam o núcleo urbano de Águas Claras e se juntam formando um “Y”, mais ainda, contribuem para segregar os espaços urbanos e dificultar a mobilidade local. O projeto propõe um sistema de circulação para pedestres e bicicletas capaz de articular as diferentes áreas urbanas do entorno dos parques, conectando as suas porções norte e sul de Águas Claras Vertical, separadas pelas linhas de metrô. A proposta busca ainda colocar o pedestre e o ciclista dentro das quadras do parque, evitando o conflito desnecessário com os veículos e trazendo a circulação das pessoas para perto das áreas sombreadas, da vegetação e dos equipamentos de apoio dos parques. Nesse sentido, a proposta para o parque é, também, um sistema que rearticula e potencializa a mobilidade na escala local, principalmente para os pedestres e ciclistas, respeitando sempre o pressuposto da cessibilidade universal.

ANÁLISE URBANA E INDICAÇÕES PARA A INTERVENÇÃO 

A região administrativa de Águas Claras foi criada e aprovada no início dos anos 90 e sua ocupação aconteceu de forma rápida e intensa, absorvendo boa parte da demanda reprimida no Distrito Federal por imóveis de padrão alto o que movimentou intensamente toda a cadeia da construção por alguns anos. São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e várias outras grandes cidades brasileiras possuem áreas urbanas que passaram por processos semelhantes, os quais decorreram, principalmente, da conjuntura econômica e política daquele período. Passado um quarto de século, é possível perceber hoje com maior clareza os efeitos que causaram em nossas cidades, em grande parte negativos, esse tipo particular de produção do espaço urbano. Os altos coeficientes de aproveitamento e o baixo investimento com a urbanização criaram áreas urbanas como Águas Claras, que sofrem hoje com a baixa qualidade ambiental, em função do comprometimento da ventilação natural e da insolação imposto pela presença de grandes torres, construídas próximas umas das outras e da escassa arborização urbana, da pouca generosidade com as calçadas e travessias de pedestres, da inexistência de ciclovias. Diferentemente do que ocorre com as áreas públicas, as áreas internas dos condomínios localizados nessas áreas quase sempre são dotadas de jardins exuberantes e bem cuidados, áreas de lazer e esportes, pavimentação e iluminação adequadas. Núcleos urbanos assim podem ser entendidos como lugares onde a dimensão da vida individual, intramuros, prevalece largamente sobre a dimensão da vida coletiva, aberta, pública. Essa perspectiva de atrofia do público e hipertrofia do privado não é uma exclusividade, é preciso repetir, de Águas Claras. Ao contrário, trata-se de uma condição encontrada em áreas de alta renda erguidas a partir da última década do século passado na maioria das cidades do país.

Considerando primeiramente a base física e ambiental onde se ergue o núcleo urbano de Águas Claras, é preciso considerar a importância da sua localização em relação ao sistema hídrico do Distrito Federal, próxima à linha de cumeada que divide a sub-bacia do Paranoá da sub-bacia do Descoberto. Trata-se, portanto, de uma área de nascentes e, portanto, importante para a recarga de aqüíferos. Tais características indicam que a intervenção tenha o maior grau de permeabilidade possível. Do ponto de vista do relevo, a área possui uma declividade suave, em torno de 5%, com modificações pontuais que criaram platôs e taludes em algumas das quadras. Essa condição topológica do sítio apresenta condições muito favoráveis para criação de caminhos peatonais universalmente acessíveis e rotas cicloviárias. Ainda em relação ao contexto físico-ambiental, a escassez de arborização urbana característica desse núcleo, e o rigor climático da estação seca em Brasília com sua estiagem prolongada e baixa umidade, aconselham a criação de áreas expressivas de vegetação de porte arbóreo com a utilização de espécies vegetais do cerrado, adaptadas a essas condições, que pode contribuir também para a qualificação ambiental no sentido da recuperação e manutenção da avifauna local. Apesar da vegetação arbórea praticamente inexistir nas vias urbanas, há nas quadras destinadas aos parques expressiva quantidade de indivíduos arbóreos importantes, os quais deveriam, todos, ser preservados.

A estrutura urbana de Águas Claras, algo que pode ser entendido como uma segunda camada que compõe sua estrutura física, foi criada firmemente baseada em conceitos do urbanismo moderno, com uma clara prevalência dos sistemas de circulação na definição geral do desenho urbano, composto por um sequência de malhas ortogonais cujos alinhamentos são definidos pelas linhas de metrô. As quadras localizadas no entorno dos Parques Central e Sul são quadras pequenas, com poucos lotes de grandes dimensões. Exceção para as quadras localizadas à oeste do Parque Sul, as únicas com um número maior de lotes de dimensões menores. Águas Claras possui uma infraestrutura urbana de boa qualidade no que diz respeito às redes urbanas (energia, água, esgoto, drenagem), algo condizente com o padrão socioeconômico que ali predomina. As redes de infraestrutura chegam a todas as áreas já ocupadas, apesar de não aparecerem em alguns trechos dos cadastros das concessionárias responsáveis, talvez por falta de atualização. A condição favorável em relação às infraestruturas permite a implantação de áreas de apoio com sanitários e comércio, e todo o programa construído previsto, além de sistemas de irrigação e drenagem, sem grandes problemas, em todas as quadras que forma os dois parques. Porém, as dimensões avantajadas de algumas dessas quadras aconselham que a implantação de tais equipamentos aconteça em suas áreas perimetrais, evitando a criação onerosa de redes extensas de água e esgoto, principalmente. As calçadas de Águas Claras são pouco generosas em relação à largura e deficientes em relação à pavimentação em alguns trechos. Além disso, a condição de travessia das vias públicas é extremamente desfavorável para o pedestre, especialmente para Pessoas Com Deficiência (PCD). Essa condição geral praticamente impõe à proposta de intervenção a criação de rotas acessíveis e confortáveis para o pedestre, complementando e qualificando o sistema de circulação peatonal hoje existente em Águas Claras, incluindo aí a possibilidade de atravessar as quadras dos parques, qualificando alguns corta-caminhos que já são usados hoje pelas pessoas e criando outros que poderão conectar de forma mais direta equipamentos que serão propostos. Apesar da declividade suave encontrada em toda área, não há rotas segregadas para os ciclistas, algo que também precisa ser criado com a proposta. Por fim, a transposição das linhas de metrô, tanto para pedestres como para ciclistas, é algo que se impõe ao projeto, permitindo que as porções norte e sul da área urbana ganhem uma melhor articulação de mobilidade.

A ocupação e o uso do solo urbano de Águas Claras encerram sua estrutura física, como uma terceira camada que se ergue a partir das duas anteriores, a base físico-ambiental e a urbanização. O processo de ocupação deste núcleo urbano, apesar de intenso nos anos iniciais após sua criação, ainda não se encontra totalmente consolidado. Há muitas áreas ainda não ocupadas, tanto com lotes particulares vazios, como com áreas públicas e institucionais ainda desocupadas. Isso indica que alguns dos problemas ali encontrados hoje, como o trânsito intenso em certos horários e em certas vias específicas, tende a aumentar nos próximos anos. Uma forma de minimizar os efeitos de uma possível piora da condição de fluidez do trânsito está exatamente na criação de uma estrutura eficiente de mobilidade no nível local, que garanta segurança aos usuários. A condição atual de ocupação ainda incipiente em certas quadras aponta também para a necessidade de garantir maior segurança para as áreas urbanas por meio de estratégias de projeto que evitem barreiras físicas, iluminação pública sobre a copa das árvores, e grandes áreas do parque sem equipamentos esportivos com a possibilidade de uso estendido à noite. O diagrama de usos de Águas Claras Vertical mostra uma concentração de áreas exclusivamente residenciais em alguns pontos do entorno das quadras dos parques. Essas áreas indicam uma maior demanda por equipamentos de esporte e lazer, já que esses estão normalmente mais ligados à dimensão de uso cotidiano de um parque. Em outros pontos há usos predominantemente comerciais e institucionais, o que indica uma demanda por áreas de apoio para atividades e áreas de descanso. Outra indicação para o projeto está na consideração de que algumas vias públicas, como a av. Castanheiras, por concentrarem maior fluxo de circulação, incluindo rotas de transporte público, acabam condicionando a implantação de serviços e equipamentos de apoio à comunidade próximos à elas.

Os três eixos estruturantes do projeto, a qualificação ambiental, a mobilidade local e a vitalidade urbana se materializam nas quadras que compõem os parques Central e Sul, respectivamente, por meio da: manutenção integral das expressivas áreas de vegetação existentes no interior das quadras; consolidação das rotas de corta-caminho já existentes nas quadras e criação de outros, compondo um sistema articulado de circulação para o pedestre; criação de cinco núcleos concentrando atividades esportivas e de lazer e apoios com sanitários e pequenos comércios (lanchonetes, bancas de revista, lotéricas, etc).