pina contemporânea
O projeto para a Pina Contemporânea parte dos seguintes princípios:
● O reconhecimento à escala urbana das preexistências, que informaram a articulação geral do novo museu com o Parque da Luz, seus acessos de veículos, pedestres e carga e descarga, bem como sua relação com a Pinacoteca, a Casa do Administrador do Parque e as diversas áreas envoltórias de bens tombados do conjunto urbano.
● A construção de um grande espaço aberto e público de conexão urbana e de articulação entre os diversos volumes que constituem a Pina Contemporânea.
● O reconhecimento à escala arquitetônica, dos bens tombados do lote em questão e seus distintos momentos, desde a construção da Escola Modelo da Luz, de Ramos de Azevedo, incendiada na década de 30 e o edifício modernista construído no contexto do convênio escolar, a EEPG Prudente de Moraes, através da preservação dos edifícios dedicando-lhe atividades compatíveis com sua estrutura e sua espacialidade originais. Sua organização espacial orientou ainda a definição de toda a nova intervenção de modo a constituir com eles um conjunto com grande unidade.
● O desenho de espaços com flexibilidade para ampliar as possibilidades de exposições (áreas internas e externas).
● A grande integração física e visual com os espaços livres, a fim de enfatizar o caráter público da Instituição e sua abertura ao contexto imediato. Associa-se a isso a qualificação dos recintos projetados, abrigados e abertos, para a apropriação, tanto em eventos programados pela Instituição como em situações livres, de modo a conformar o conjunto como uma extensão do espaço público do Parque.
● A adoção de soluções sustentáveis, como a construção industrializada para a cobertura e o anel de circulação, com estrutura em madeira laminada colada e aço, de modo a reduzir o impacto da implantação tanto para a edificação existente, como especialmente para o Parque da Luz.
1. RECONHECENDO O LUGAR
O reconhecimento de um eixo de articulação à escala urbana, introduzindo um percurso que atravessa o terreno conectando o Parque da Luz à Rua Ribeiro de Lima, é o principal fundamento que orienta o desenho do conjunto. Esta praça, dedicada aos pedestres, dispõe-se no eixo definido pelo edifício da Pinacoteca, em que está também o espelho d’água circular do Parque da Luz, estabelecendo com ambos uma continuidade visual. É o principal organizador dos fluxos de acesso aos novos espaços da Pina Contemporânea. Reconstitui, com outra escala e ambiência mais qualificada, com paisagismo que dá continuidade ao parque, a ideia do pátio escolar que era originalmente definido pela implantação paralela de dois corpos edificados distintos.
Esta praça de caráter público configura um “eixo urbano”: um espaço aberto, livre de construções, que tem caráter de conexão por um lado, mas também de estar, aos modos de uma nova praça interna. Assim, o conjunto da Pina Contemporânea configura um longo eixo de circulação, paralelo à Avenida Tiradentes, em diálogo com a intervenção de Paulo Mendes da Rocha dos anos 1990 e com a possibilidade de construir um circuito que interliga os diversos imóveis tombados da região: Estação da Luz, Museu de Arte Sacra, Convento de São Cristóvão, Praça Coronel Prestes, e ainda, numa perspectiva ampliada, o bairro do Bom Retiro com seu caráter multicultural, a Oficina Cultural Oswald de Andrade, a Casa do Povo, concluindo com o SESC Bom Retiro, a Estação Júlio Prestes (Sala São Paulo) e a Estação Pinacoteca. Além disso os acessos ao conjunto Pina Luz – Pina Contemporânea ganham força a partir da fácil conexão com as Estações Luz e Tiradentes de Metrô. Este eixo adquire uma relevância ampliada ao permitir o trânsito entre os edifícios a partir do Parque da Luz numa relação que favorece a todos os equipamentos.
A criação de um pavimento em subsolo para a área de exposição evita bloqueios visuais além de dar destaque aos bens tombados. O edifício tombado ganha protagonismo do ponto de vista urbano a partir da remoção do muro existente que delimitava o lote e escondia o edifício para a Avenida Tiradentes. Em relação ao Parque e à Casa do Administrador, o volume longilíneo recuperado e em diálogo com o Parque da Luz definiu um plano de fundo inserido no parque, que procurou requalificar a relação antes existente de fundos que negava o espaço público.
Um importante espaço livre que foi ressignificado com a intervenção é o jardim frontal da EEPG Prudente de Moraes. O jardim encontrava-se isolado da Avenida Tiradentes com um muro alto e passou a se integrar visualmente em continuidade com o Parque da Luz pela supressão do muro frontal e do muro que o separava do Parque, substituídos por gradis, e passaram a funcionar como um intervalo qualificado para a chegada de veículos e grupos de visitantes. Por se tratar de uma via de caráter expresso, o acesso de automóveis pela Avenida Tiradentes é feito apenas para embarque e desembarque de passageiros, sem estacionamento. Na avenida, no jardim e no Parque, foi feito gradil de elementos verticais integrado ao desenho geral dos novos fechamentos propiciando permeabilidade variada e ampliando a integração visual no trecho em que há continuidade das massas arbóreas e do jardim.
2. RECONHECENDO O EDIFÍCIO MODERNO
O reconhecimento da estrutura e da espacialidade do edifício principal da EEPG Prudente de Moraes, projetado por Hélio Duarte e localizado na parte leste, paralelo à Avenida Tiradentes, orientou as decisões de projeto e restauro. O projeto original, organizado em dois corpos longilíneos articulados por um hall central, apresenta duas diferentes ordens modulares da estrutura.
A primeira, do bloco sul com um pavimento, apresentava circulação central que dava acesso aos espaços administrativos e de apoio da escola. Este bloco foi majoritariamente dedicado às atividades da Biblioteca e Centro de Documentação. A estrutura independente permite integrar os espaços principais em duas naves, concentrando todos os espaços de apoio no vão central da antiga circulação. Esta estratégia libera as fachadas, voltando para a praça interna os espaços destinados ao público e às estações de trabalho a fim de minimizar o impacto negativo de poluição sonora e ambiental da Avenida Tiradentes e a um só tempo ativando a conexão com o principal eixo articulador do projeto. Voltados para o jardim frontal da Avenida Tiradentes se implantam os acervos. Esta clara diferenciação equaciona as distintas exigências de controle ambiental destes, que exigem controle rigoroso de temperatura e umidade, em relação aos espaços de público. No vão central da circulação, o rebaixamento do teto permite a distribuição de todos os sistemas de climatização e exaustão de modo a reduzir a interferência destes nos espaços principais, que preservam a altura total dos ambientes.
Na extremidade adjacente ao hall de entrada, correspondente ao primeiro módulo de janelas, se implantam os espaços de apoio para ao café localizado no mezanino, com acesso direto à área externa pelo intervalo do hall. Para promover a conexão funcional com o espaço de serviço no pavimento superior, um par de monta-cargas e uma escada de serviço se implantam com a supressão de um plano de laje, mantendo integralmente o vigamento que organiza, sustenta e contraventa a laje de cobertura.
A segunda ordem estrutural do edifício, do bloco norte com dois pavimentos, integralmente destinado à reserva técnica do acervo artístico, apresenta circulação vertical junto ao corpo central e circulação horizontal voltada para a praça interna, com rigorosa modulação estrutural que correspondia à organização das salas de aula (dois módulos por sala).
Neste bloco, a laje de piso da sala de aula central, foi removida para gerar um espaço interno de altura dupla que permite acolher os elementos de grande escala do acervo. As alvenarias que compartimentam as salas de aula foram removidas, aproveitando a independência da estrutura em concreto armado, de modo a permitir a melhor condição para flexibilidade na gestão dos acervos. Foi preservada a paginação dos pisos, demarcando claramente a compartimentação original e a localização das partições removidas. Os acervos de maior escala e peso foram acomodados no piso térreo, enquanto os objetos de menor peso e menor escala se localizam no segundo pavimento, de modo compatível com a capacidade de carga prevista para o uso original da edificação.
O corpo central, principal espaço de acolhimento do novo museu, define um eixo de articulação à escala arquitetônica, que se repercute na nova cobertura, no mezanino, na Grande Galeria do subsolo e no acesso ao Pavilhão Família Gouvea Telles na face oeste do lote. A organização interna e a materialidade do hall de entrada – espaço que contribui para definir a identidade do edifício pela associação da luz filtrada do elemento vazado da fachada frontal e da parede curvilínea que define o plano de visão e eixo de simetria da entrada principal – foram preservados integralmente, introduzindo balcão de acolhimento e recepção de visitantes.
3 . RECONHECENDO OS REMANESCENTES DA ESCOLA MODELO
As edificações da face oeste que definem a frente para o parque foram restauradas a partir do reconhecimento de seus principais elementos constitutivos, destinando-lhes os usos compatíveis com sua espacialidade e que apresentam potencial de ativação da praça: galeria de exposição, ateliês, loja, sanitários e centro administrativo.
No anexo de feições ecléticas, foi demolido o acréscimo de menor altura, com cobertura independente junto à testada da Rua Ribeiro de Lima, cuja inserção dissonante contrariava a ordem simétrica da edificação, fortemente demarcada pelo corpo saliente da porta principal, enfatizada pela água furtada do desenho original de sua cobertura. A demolição deste corpo lateral ampliou a integração visual deste remanescente com a Casa do Administrador do Parque, edificação tombada cuja escala, tipologia e padrão construtivo formam um conjunto. A sua destinação, como Administração da Pina Contemporânea, é coerente com esse entendimento do conjunto. A espacialidade interna da edificação constituirá um ambiente único, a reforçar a leitura do amplo espaço de pé-direito generoso, definido pela clara geometria da sua cobertura, restaurada integralmente, com nova estrutura em madeira e cobertura em telha francesa, com introdução de manta de sub-cobertura e forro em madeira, para ampliar a estanqueidade e qualificar ambientalmente o espaço de trabalho. Foram recuperadas as fenestrações originais, sempre que possível, a partir dos vestígios presentes nas paredes remanescentes, com elementos contemporâneos. As cores tanto das alvenarias como da caixilharia, seguiram aquelas identificadas na camada mais antiga dentre as indicadas na prospecção realizada.
O segundo elemento deste conjunto preservado é o Pavilhão Família Gouvea Telles, definido pela sequência de pórticos metálicos, cuja geometria e materialidade foram identificadas e mapeadas nas prospecções realizadas em atendimento à diretriz da DPH. Pela ausência de registro da sua conformação original, o projeto toma por base o ritmo dos pórticos e a valorização deste elemento excepcional para a definição da ambiência do conjunto dos espaços. A compartimentação pré-existente e os elementos construtivos que emparedavam e ocultavam os elementos metálicos foram integralmente removidos para dar lugar a um pavilhão com maior permeabilidade visual interna e maior integração em relação ao entorno imediato, tanto na face voltada para a nova praça, como nas faces voltadas para o Parque da Luz, a fim de redefinir a indesejável aparência de fundos que essa edificação apresentava na interface com o Parque. Um dado específico da geometria dos pórticos define toda a intervenção: a altura de 2,50 metros determinada pela diferenciação entre os pilaretes genéricos em concreto armado a partir dos quais se desenvolve a estrutura metálica. Para tanto, uma nova envoltória, de construção independente em relação à delicada estrutura, define-se a partir de duas operações: a elevação de uma parede que reune os elementos de infraestrutura predial até aquela altura (2,50m), revestida com a mesma pedra – granito preto levigado – da pavimentação geral das áreas de público, como continuidade do piso, alternando com trechos com caixilharia e vidro transparente; e revestimento metálico na cor cinza da cobertura com proteção termo-acústica, que desce até aquela mesma altura, como continuidade da cobertura. Essa diferenciação evita a introdução de um terceiro material para as fachadas, e enfatiza o caráter horizontal e longilíneo do pavilhão, o que contribui para definir as frentes para a praça e para o parque. As duas extremidades menores abrem-se totalmente, propiciando de um lado, na sala de exposições localizada na face sul – Galeria Praça, o enquadramento de uma vista para o Jardim da Luz que tem o edifício da Pinacoteca como pano de fundo; de outro lado, abre a área de convivência para um pátio privativo que separa o anexo da Escola Modelo deste pavilhão. Esta separação é intencionalmente proposta para restituir a unidade de cada uma das partes, cujos princípios ordenadores são diversos, e ao mesmo tempo manter uma sutil continuidade entre ambos pela extensão da parede inferior do pavilhão até o anexo, assegurando a continuidade e a linearidade do limite da praça.
Para o agenciamento das partições internas, todos os elementos opacos e espaços fechados têm sua altura limitada àqueles mesmos 2,50 metros, de modo a oferecer uma continuidade visual dos planos de forro e dos elementos metálicos remanescentes, cuja sequência é revelada como principal ordenador do conjunto. A esse princípio ordenador geral se sobrepõem sutis diferenças no tratamento da lógica das aberturas, que propiciam variadas relações com os dois lados: na Galeria Praça, ambos os lados são fechados, para permitir maior flexibilidade expográfica e enfatizar a abertura para o Parque e a Pina, como mencionado; nos ateliês promove-se a continuidade visual e física com a praça interna, ativando seus espaços livres como extensão potencial das atividades, enquanto o lado do parque recebe aberturas altas, a conformar uma ambiência intimista e ao mesmo tempo permitir a visão das copas das árvores do Jardim da Luz e a entrada generosa de luz natural filtrada pela envoltória metálica, neste caso com padrão perfurado para atenuação solar; na loja, ambos os lados apresentam a abertura visual e física, permitindo o atravessamento visual entre praça e Parque no eixo de articulação arquitetônica definido pelo hall principal do edifício moderno, o que permite inclusive eventual abertura para acesso ao parque; na região dos sanitários, as cabines se dispõem na porção central de modo a permitir a abertura visual para ambos os lados nas faixas de lavatórios, com sutil controle de privacidade através do uso de serigrafia nos vidros; e na área de convivência, repete-se a solução da exposição, enfatizando a continuidade física e visual com o pátio e a visão da fachada lateral do edifício anexo, da administração.
4. INTEGRANDO O CONJUNTO: SUBSOLO, PRAÇA, MEZANINO E NOVA COBERTURA
Promover a integração de um conjunto de edificações tão díspares constituiu-se no principal desafio do projeto. Para tanto, a solução aqui apresentada recorre ao desenho do vazio: uma generosa praça no nível térreo, que é conformada pela sobreposição de três níveis de uso: a Grande Galeria em subsolo, que evita a conformação de um novo volume e o mezanino no nível superior, a permitir a abertura visual para o jardim frontal da própria escola e para o jardim da Luz, em sobreposição parcial ao volume de um pavimento do edifício moderno em cota que preserva integralmente todas as suas paredes envoltórias, com o menor impacto possível, e ao mesmo tempo, oferecendo uma nova experiência de visão integrada que restitui ao visitante o entendimento do conjunto; e a nova cobertura iluminada, elemento fundamental para a construção da nova unidade do conjunto.
O subsolo, além da exposição, reune, sob parte do pavilhão, espaços técnicos, de apoio e serviços, cuja construção evita aproximar-se tanto do edifício moderno quanto do anexo em alvenaria remanescente da Escola Modelo. Sua construção pressupôs a remoção das treliças metálicas, que foram restauradas fora do canteiro de obras e remontadas, o que, dada sua lógica tectônica baseada na montagem de elementos leves, é a solução mais simples e eficaz para sua melhor restauração. As novas infraestruturas em subsolo permitem reduzir o impacto de infraestruturas prediais nesse delicado pavilhão, assegurando o protagonismo dos elementos metálicos remanescentes.
O mezanino, projetado em estrutura metálica independente em três de seus quatro tramos, estabelece na sobreposição com a ala sul do edifício moderno uma interface para estrutura, acessos e infraestrutura predial, com pontos de apoio para a estrutura leve sobre os pilares centrais do edifício existente que permitem a execução de reforços, se necessário, sem prejuízo da integridade de fachadas e elementos arquitetônicos principais que caracterizam a edificação. Tais apoios ficarão ocultos no intervalo entre a cota do novo piso e a laje de forro existente, onde também se implantará a distribuição de elementos de infraestrutura evitando prumadas nos trechos que se dispõem sobre o principal espaço público – a praça. Sua estrutura metálica leve reduz o tempo e o impacto de sua montagem e ainda assegura a potencial reversibilidade da intervenção.
Para a articulação vertical deste conjunto de espaços de uso público foram criados quatro elementos: a escada arquibancada lateral à passarela central que, como um redesenho do chão, acede ao plano inferior da exposição em meio à praça; duas escadas metálicas de acesso ao mezanino, alternando visadas para a praça e para a Pina Luz; e o principal elemento de articulação vertical que providencia a acessibilidade universal: um elevador panorâmico que oferece, no vazio central da praça, uma experiência análoga àquela do elevador projetado pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha no terceiro pátio da Pina Luz.
Por último, o desenho de uma cobertura iluminada, com construção com material de alto desempenho ambiental e baixo impacto – a madeira laminada colada – reinterpreta o teto iluminado da Pinacoteca Luz introduzindo a heterogeneidade da sombra através da variação do espaçamento e do perfil das vigas, fazendo reverberar tanto a experiência da visitação do espaço interno da Pina Luz quanto a experiência do passeio sob o bosque do Jardim da Luz. Ao construir-se como uma nova cobertura no espaço aberto, inverte a introspecção da cobertura envidraçada da Pina Luz, visível apenas de seus espaços interiores, e conforma um novo elemento na paisagem urbana, com presença discreta assegurada por sua implantação em um plano recuado em relação à fachada principal da EEPG Prudente de Moraes, que tem assegurada sua presença hierarquicamente dominante no conjunto visto desde a Avenida Tiradentes. Vista do outro lado, desde o Parque e no intervalo da praça, sinaliza a criação de um novo recinto de uso público, caracterizado por indeterminação programática, sustentabilidade e alto potencial urbano.