novo desenho da praça san francisco em cusco

Esse projeto inaugura a parceria entre os arquitetos associados [Alexandre Brasil e Carlos Alberto Maciel] com Éolo Maia e Jô Vasconcellos. A parceria foi tão prazerosa que logo se repetiu no concurso 4º Prêmio Usiminas – Sede do Centro de Arte Corpo, em Nova Lima, MG.

As imagens desse projeto foram elaboradas a partir de um processo híbrido, no qual renders impressos receberam desenhos manuais feitos por Éolo Maia, que baseados em sua memória Ouro-Pretana conseguiu retratar com grande riqueza de detalhes as festas e ritos da ordem dos Franciscanos.

1. Introdução

A Praça de San Francisco é um sítio urbano que testemunha a evolução de uma civilização, configurando-se como uma paisagem definida. É, portanto, essencial preservar a identidade e o caráter do lugar não apenas em sua estrutura física, mas também em seus aspectos sociológicos e culturais, buscando sua integração no processo vivo do desenvolvimento urbano.

O usuário é considerado um agente ativo e participante, enquanto a praça se torna um elemento que dialoga com todos os personagens do cenário urbano, construindo-se e refletindo sua imagem.

A escassa documentação não permite uma reconstituição fiel do adro do templo, tampouco há outros vestígios. O desenho de Rugendas fornece um testemunho valioso, oferecendo uma visão panorâmica da praça no século XIX e servindo como base para a reconstrução proposta, que resgata o desenho original a partir de noções de evocação e criação, com o objetivo de revelar e conservar os valores estéticos, históricos e funcionais que persistem na memória coletiva.

A intervenção proposta, além de ser vista, foi pensada para ser vivida e plenamente usufruída, assegurando a integração das duas culturas que formaram o povo cusquenho que hoje a habita. Busca ainda criar novas relações entre o espaço e as pessoas, restabelecendo as perspectivas originais por meio da restituição da inclinação natural do terreno.

O Novo Desenho da Praça de San Francisco
Origens e Conceitos

A cultura cusquenha é resultado de uma fusão de influências. Diferentes formas de estruturação dos espaços podem ser encontradas nos núcleos urbanos históricos, onde construções coloniais foram erguidas sobre, ou em conjunto com, os blocos líticos das edificações incas. A busca por integrar as duas principais estratégias de organização do espaço e da paisagem — a malha ortogonal e abstrata dos pátios e praças espanholas e, por outro lado, os patamares curvilíneos das construções incas, organicamente integradas à natureza e respeitando a topografia — constitui a principal diretriz do novo desenho da praça.

A integração entre esses traçados distintos ocorre a partir da reconstrução do átrio da Igreja de San Francisco, recuperando seus acessos originais e marcos verticais, refeitos em pedra aparelhada, e reposicionando as crujias que ali se encontravam. O novo desenho parte do átrio, destacando o eixo que conecta o acesso principal da igreja ao elemento central que organiza as escadarias monumentais. A partir desse ponto, o traçado evolui gradualmente para uma lógica de curvas suaves que reinterpretam as estratégias incas de integração à topografia. Assim, são criados movimentos sutis no terreno, abrigando mobiliários integrados ao pavimento e novas possibilidades de acesso ao subsolo — rampas para veículos e ônibus e uma “bacia” de acesso de pedestres ao embarque e estacionamento.

A água é outro elemento essencial da paisagem. Sua presença, constante na história da praça — desde a fonte representada no plano de 1643, abastecida pela lagoa de Piuray, até a fonte ornamental de 1991 — é reinterpretada como uma lâmina inclinada que funciona também como guarda-corpo da “bacia”, refletindo a imagem do templo para quem chega pelas ruas Mesón de la Estrella ou Márquez.

A busca por simplicidade e pela valorização do átrio e dos monumentos como elementos estruturadores do espaço urbano — evocando o grande vazio representado no desenho de Rugendas — orienta as estratégias de remodelação. Entre as medidas adotadas estão:
I) a recuperação da inclinação natural da praça, eliminando plataformas sobrelevadas e valorizando o templo, o convento, o átrio, o terraço inca Chaqnapata e o Arco de Santa Clara;
II) a integração harmônica das rampas de acesso ao subsolo, utilizando o mesmo material do pavimento;
III) a remoção do jardim botânico, com sua realocação em áreas mais adequadas — como a encosta do rio Saphy ou os terrenos da Granja K’ayra;
IV) a substituição do sistema de iluminação, eliminando postes verticais e adotando luminárias embutidas sob bancos, degraus e na lâmina d’água;
V) o uso de um único material para o pavimento — pedra calcária local — combinada a gramíneas nativas.

A Pedra e a Vegetação

A combinação entre a pedra e as gramíneas autóctones constitui uma estratégia fundamental para unir os dois modos de organização do espaço — da aridez das praças espanholas à integração orgânica da vegetação nas ruínas incas.

Essa escolha se justifica por diversos fatores:
I) o baixo custo do material, extraído das formações cretáceas de Yunkaypata, próximas à cidade;
II) a tradição cusquenha no uso da pedra, presente em edificações antigas e pavimentos históricos;
III) a continuidade e unidade visual, restabelecendo o amplo cenário representado por Rugendas;
IV) a flexibilidade de uso dos espaços, favorecendo múltiplas ocupações;
V) a integração dos mobiliários urbanos — bancos, degraus e lixeiras — ao material;
VI) a facilidade de manutenção e a possibilidade de irrigação por gotejamento;
VII) a dignidade que a pedra adquire com o tempo e as variações sazonais de cor e textura, revelando os percursos e fluxos dos pedestres sem comprometer o desenho da praça.

Os Usos

A simplicidade e a continuidade do pavimento reforçam a multiplicidade de usos da praça. O espaço pode receber desde pequenas reuniões e atividades cotidianas até grandes eventos — feiras, procissões, espetáculos e celebrações religiosas ou culturais. Entre eles estão a Feira dos Pães na Quinta-feira Santa, a procissão do Senhor dos Milagres, campanhas de saúde e a Feira de Natal andina de artesanato e ervas. As instalações subterrâneas — com lojas, banheiros e estacionamentos — garantem suporte a essa intensa vitalidade urbana, consolidando a praça como um espaço público vivo e integrado à vida contemporânea de Cusco.