parque augusta: quatro imagens para são paulo

Pesquisa desenvolvida a partir de um convite da revista Bamboo, publicada em novembro de 2016.

Parque Augusta: quatro imagens para São Paulo

A extensa discussão que envolve o Parque Augusta condensa exemplarmente os conflitos essenciais da dinâmica urbana. De um lado, o primeiro setor, do capital, que detêm a propriedade do terreno e dele espera o maior resultado econômico possível; de outro lado, o terceiro setor, dos movimentos coletivos auto organizados, que defende o usufruto da cidade, a qualidade, a democratização e a autogestão dos espaços públicos; em meio a essas forças comparece o segundo setor, do poder público, cujas ações oscilam entre aqueles dois polos, ora autorizando exceções para o poder econômico, ora reconhecendo o interesse coletivo da área como espaço público. Cada parte tem a sua razão e a sua lógica de ação. Haveria alguma solução capaz de conciliar interesses tão divergentes?

Acreditamos que essa discussão não pode se restringir aos limites físicos do Parque. Qualquer tentativa de conciliação, ali, será uma mutilação: do escasso espaço livre e verde arduamente preservado em meio ao voraz adensamento da região e, ao mesmo tempo, do potencial de realização financeira esperado pelos que detêm a sua propriedade. Dada sua exemplaridade, o Parque Augusta pode provocar uma reflexão mais profunda sobre os modos de pensar, fazer e usar a cidade, recolocando uma questão permanente e urgente: o que é melhor para o futuro de nossas metrópoles? O fim do Parque Augusta – se parque ou empreendimento – dirá sobre os limites ou sobre a inteligência dos paulistanos – cidadãos, empresários e políticos – de reinventar a sua própria cidade.

Uma quadra, um oásis

Justamente por se localizar em um endereço de alto valor, o Parque Augusta resiste como um oásis. Como parque, ampliará o valor do que está ao redor. Como empreendimento, extrairá o valor da terra e matará o lugar. Ainda que se preservem as árvores, construir nas suas áreas livres significa destruir sua variedade ambiental. Sua escala é irrelevante se comparada a outras áreas livres da cidade, mas imprescindível quando se reconhece a ocupação intensiva do seu entorno. Sua preservação integral, como área de sol e de sombra, aberta e livre, é condição mínima para a reconstrução de uma qualidade urbana tão desejada porque tão rara. Imaginar alguma construção ali, para a qualidade da cidade, seria o mesmo que imaginar uma construção que ocupe qualquer fração de áreas como o Parque Trianon, o Ibirapuera, o vão do MASP ou a Praça da República. Por outro lado, não custa perguntar: seria o empresariado paulistano capaz de reconhecer o potencial transformador de seus investimentos, gerando legados positivos para a cidade?

Que cidades a iniciativa privada é capaz de construir?

A mesma cidade que destruiu sua geografia, poluiu seus rios e criou uma das mais profundas imagens da selva de pedra também produziu exemplos notáveis de convivência e generosidade urbanas. O COPAN e o Conjunto Nacional são emblemas de uma certa inteligência de empreendedores, arquitetos e planejadores ao conciliarem densidade e qualidade da construção do chão da cidade. Por sua escala – mais que o dobro do conjunto que se propõe erguer no Parque Augusta – adquirem um papel de infraestrutura que articula o território e qualifica a rua. Foram edificados em um momento em que São Paulo se urbanizava vorazmente e tudo era novo. Passado mais de meio século, cabe pensar se o investimento privado poderia voltar os olhos para infraestruturas obsoletas ou áreas subutilizadas da cidade como contrapartida ä preservação de áreas verdes e espaços de convivência.

Parcerias público-privadas: problemas públicos, oportunidades privadas

Propomos um exercício de imaginação sobre o Parque Augusta, considerando mecanismos legais já previstos na legislação do município e no Estatuto da Cidade: a transferência do direito de construir, a operação urbana e a parceria público-privada. São quatro imagens para provocar a discussão sobre os limites e as possibilidades da construção, a partir do diálogo entre os diversos agentes, de uma São Paulo mais humana, convivial e generosa.

1 . Imagine vários empreendimentos de pequena escala no entorno do Parque Augusta, pulverizando o investimento através negociações entre agentes privados, incorporadores e pequenos proprietários, estimulada através da transferência do direito de construir associada a uma operação urbana que ampliasse o potencial construtivo dos pequenos terrenos. Ao invés de matar o parque, o empreendimento privado ampliaria seu próprio valor ao perpetuá-lo. Os donos de terrenos teriam sua propriedade valorizada e a região, com excelente infraestrutura, se adensaria de modo uniforme com edifícios que poderiam melhorar a qualidade da relação com a rua através de fachadas ativas, ao invés dos grandes blocos com enormes bases de estacionamentos que vêm matando paulatinamente a rua. Os empreendedores poderiam receber mais potencial construtivo do que conseguiriam no Parque, para compensar seus custos indiretos. A cidade ganharia.

2 . Imagine transferir o potencial construtivo do empreendimento do Parque Augusta para um equipamento do município, como o Parque Anhembi, integrando ações públicas e interesses privados. Após o futuro prefeito levantar a hipótese de cedê-lo à iniciativa privada, os empresários se manifestaram dizendo ser necessário associar ao empreendimento um desenvolvimento imobiliário. Por que não destinar parte dele à contrapartida do município para preservar o Parque Augusta? Apenas para comparar a escala, um único pavimento do tamanho do pavilhão de exposições do Anhembi corresponde a uma vez e meia da área que se pretende construir no Parque.

3 . Imagine se, sobre cada estação de metrô da cidade, se erguesse um grande edifício para moradia e serviços, diretamente conectado ao transporte público, como o Chrysler Building, em Nova York. Os desperdícios de potencial imobiliário e sobretudo de valorização e qualificação urbana das estações de metrô foram discutidas pelo arquiteto Pablo Hereñu em sua tese doutoral. Associar esse adensamento a uma operação urbana que envolva o Estado, o Município e os empreendedores do Parque Augusta poderia produzir edifícios melhores para a cidade e ao mesmo tempo preservar suas áreas livres e verdes. Todos ganhariam.

4 . Imagine viver no centro da cidade, morando e trabalhando em estúdios abertos para ruas calmas sob um extenso e vivo parque linear. Se o Parque Minhocão é uma realidade incontornável e sua plena consolidação está prevista em lei, seus baixios, entretanto, continuam gerando áreas públicas de baixa qualidade. Sua sombra permitiria construir quase duas vezes o que se pretende no Parque Augusta, com custos financeiros e ambientais significativamente menores. A associação de habitação e trabalho em uma zona em regeneração, integrada ao mais relevante parque linear da América Latina, seria uma ação contemporânea que evitaria a degradação do chão, reforçaria o usufruto do Minhocão e salvaria o Parque Augusta. Todos ganhariam. A cidade ganharia. Por que não?